Zambujal

Do vir ao devir,
percursos de uma comunidade...

O Zambujal é uma localidade situada na zona dos Tojais, naquilo que engloba a actual União de Freguesias de Santo Antão do Tojal e São Julião do Tojal, pertencendo ao concelho de Loures.
Situar o nascimento do Zambujal e a sua linha de desenvolvimento não é tarefa fácil. Implica uma pesquisa no tempo e a junção de várias disciplinas, desde a História à Geografia, da Arqueologia à Etnografia e outras.
Sabemos que a fixação de populações, ao longo da história, teve muito a ver com as características geográficas dos terrenos. Terrenos bons para cultivo, terrenos com linhas de água e em muitos casos garantindo a segurança. Daí, por exemplo, a escolha de locais altos.
Sabemos também que este território, onde se situa o Zambujal, perto do rio Trancão, nos longínquos anos da fundação da nacionalidade, já tinha presença humana. Se o Zambujal, enquanto localidade definida já existia ou não, é algo que não se pode afirmar com segurança. A verdade é que em 1176, D. Afonso Henriques doou ao Mosteiro de S. Vicente de Fora, fora fundado após a conquista de Lisboa em 1147, os terrenos onde iriam «fazer povoação até cem vizinhos". A referência consta do livro de Gustavo de Matos Sequeira "A Abelheira e o fabrico de papel em Portugal (História de uma propriedade e de uma fábrica)". de 1935.
A indicação «fazer uma povoação» não surge por acaso. No inicio da nacionalidade era preocupação ocupar os territórios recém-conquistados. Fixar populações, criar povoações, era uma forma de criar o País que se veio a chamar Portugal. A entrega de terrenos às ordens monásticas era, por isso a forma encontrada pelos monarcas para garantir o rápido povoamento do território. Tornava-se, também, urgente desenvolver as actividades agrícola e comercial. É muito provável que o Zambujal se tenha criado desta forma.
Veja-se que anos depois, a 5 de Junho de 1218, D. Afonso II confirma a doação da herdade do Tojal ao Mosteiro de S. Vicente de Fora, (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cónegos Regulares de Santo Agostinho, Mosteiro de S. Vicente de Fora, maço 2, nº8). Essa confirmação pressupõe a entrega aos cónegos de S. Vicente de todas as terras do Tojal "com as suas águas, azenhas, moinhos e marinhas, montados, devezas, campos, olivais, vinhas, casais e casa" elementos que identificam já uma actividade ligada ao campo e ao rio (as marinhas).
Ao longo dos anos estas terras terão sido alvo de disputas entre a nobreza portuguesa que, até muito tarde, quando já outros apostavam na industrialização, optou por investir a sua riqueza em terras e palacetes. Só em 1622 tem fim o conflito com o Ducado de Bragança, com a demarcação do limite das terras pertencentes à Casa de Bragança e aos Cónegos. Aqui temos duas entidades proprietárias dos terrenos adjacentes ou até mesmo englobando o Zambujal. Mas outras famílias nobres foram proprietárias, ao longo dos tempos, de quintas, baldios, terrenos.
Em 1695 encontramos uma indicação do Zambujal num mapa integrado no «Tombo Novo da Fazenda do Tojal» que assinala um caminho para o Zambujal. (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cónegos Regulares de Santo Agostinho, Mosteiro de S. Vicente de Fora, livro 22.), E, em 1716 há dois requerimentos, em nome de Jacob Pedro Strauss, que estão no Arquivo Municipal de Lisboa são dirigidos ao Senado de Lisboa, informando que comprou aos herdeiros de Joaquim da Silva uma casa térrea localizada no lugar do Zambujal, pedindo que o Senado emita "mandado de posse na forma do costume". Percebemos que estão instituídos há muito os forais, ou seja as terras são trabalhadas por pessoas da localidade e não só que pagam aos seus proprietários em bens ou em dinheiro. Esta era uma forma da nobreza, que não trabalhava, ter rendimentos da terra.
O trabalho da terra implicava água. Não é por acaso que o Zambujal surge junto da confluência de algumas linhas de água. Terras aforadas, água perto, foram-se criando condições para a fixação de pessoas e criar uma comunidade que por certo nos anos de 1600 já estaria consolidada. O Zambujal cresceu em intima comunhão com a actividade desenvolvida nas terras da Abelheira que em 1751 se tornam propriedade dos religiosos de S. Vicente de Fora. Eram antigos foros das famílias Ferrões e Aguiares, situadas entre o Zambujal e a Quinta do Arrais. Esta quinta e as terras da Abelheira foram fundidas numa só propriedade denominada Quinta da Abelheira. Passam a dominar a região. Dedicaram-se ao fabrico de papel, aproveitando a água do Trancão.
Ainda na segunda metade do Século XVIII, sem data ainda definida, foi construído, no sítio chamado do Castelo, a Ermida de Nossa Senhora do Monte Carmo, doada, pelos religiosos, ao povo da aldeia do Zambujal. A criação desta ermida, no centro do que se pode chamar o Largo do Zambujal, apenas pode significar que o Zambujal era já uma localidade com alguma expressão. Esta capela acabará por ter uma carga simbólica no que é uma marca do Zambujal, o seu forte pendor associativista.
Em 1803 há uma acção cível de penhora em que é autor o Duque de Lafões e réu Patrício Luís, lavrador e morador no lugar de Lousa. A acção prende-se com a dívida dos quartos da fazenda do Falpardo, no Zambujal. (Processo na Torre do Tombo). Este dado solto serve para realçar a presença de outras casas nobres (neste caso os Lafões) bem como de trabalhadores que desenvolvendo a sua actividade no Zambujal são de outras localidades.
Em 1809 têm lugar as invasões francesas e a construção das Linhas de Torres Vedras. No Zambujal foi construída a Bateria do Penedo de que resta pouco espólio, mal assinalado e protegido.
Em 1810 encontramos um oficio do major José Maria das Neves Costa para António de Lemos Pereira Lacerda, sobre umas obras na estrada da Senhora da Ajuda até ao sul de Bucelas, bem como do aquartelamento, vencimentos, alimentação e pilhagens aos habitantes da zona, do Quartel da Quinta da Abelheira (junto ao Zambujal).De acordo com documentação arquivada na Torre do Tombo, em 1820 o Governo Supremo do Reino foi obrigado a pronunciar-se sobre a recolha da sisa que incidia sobre "os almocreves do azeite do Zambujal". Este "azeite do Zambujal" significa a existência de grandes quantidades de oliveiras e de produção expressiva de azeite que justificava a comercialização através dos almocreves que encabeçados por Manuel Francisco, insurgiram-se contra a forma como a sisa estava a ser aplicada, denunciando "os excessos" do contratador actual da sisa do azeite, que tinha o nome de Pedro de Souza.
Enquanto comunidade, o Zambujal ganhou importância ao longo do tempo. Não é por acaso que na relação das freguesias e lugares com julgados, transcrita por Augusto Vieira da Silva, lá está o Zambujal.
Em 1835 tem lugar um acontecimento importante a venda dos bens dos Cónegos Regrantes de São Julião do Tojal em hasta pública, arrematados por João Gualberto de Oliveira (1788-1852), futuro barão e conde do Tojal, por 90.100$00 réis e o período de 1 ano, que constrói a Fábrica de Papel da Abelheira.
Em 1850 a Câmara Municipal de Lisboa "decidiu que se mandasse construir uma ponte através do rio Trancão, junto ao Zambujal". A obra foi lançada em Conta Administrativa das Calçadas pelo valor de 2.573$279 reais. Em 1853 tem lugar a construção do Fontanário/Chafariz pela então Câmara dos Olivais.
A 3 de Junho de 1863 é criada da Sociedade Filarmónica Recreio Zambujalense. Foi seu fundador José Dias de Carvalho. É o inicio de um rico movimento associativo que se mantem até hoje.
Em Dezembro de 1895 tem lugar uma Assembleia Geral de formação da Cooperativa de Consumo e Crédito "A Zambujal", um primeiro projecto de cooperativismo que não terá vingado. Em Outubro de 1901 são publicados os estatutos da Associação de Socorros Mútuos Familiar dos Operários e Operárias da Fábrica de Papel da Abelheira. A formação da Associação terá tido lugar em 1899 e foi dissolvida em 1905.
Em 1911 segundo o Censo da População de Portugal, o Zambujal tinha 804 habitantes. Não era um número avultado e não foi impeditivo da criação de mais associações. Em 1915 segundo o jornal "O Quatro de Outubro", de 7 de Fevereiro de 1915, (nº 139) houve a tentativa de criação de uma Sociedade de Instrução Militar Preparatória. Em 28 de Setembro de 1920 deu entrada no Instituto de Seguros Sociais- Direcção Mutualidade Livre, os Estatutos da Associação de Classe dos Fabricantes de Papel (Fábrica da Abelheira). O seu funcionamento terá sido muito precário.
A 28 de Fevereiro de 1921 nasce a Cooperativa Panificadora Zambujalense. Em carta enviada a Abel Teixeira, Administrador do Concelho de Loures, a Cooperativa informa que tinha 275 sócios com 1290 pessoas de famílias. É assinada pelo Presidente da Cooperativa, Francisco Fernandes Vozone. Nesse mesmo ano a Cooperativa arremata a Capela de Nossa Senhora do Monte onde antes funcionara a banda. Ao longo do tempo o edifício sofreu diversas obras até ser o espaço que é hoje. Está fechado, em virtude da falência da Pluricoop, onde a Cooperativa se integrara, mas persiste a esperança da sua aquisição pela autarquia para ser colocado ao serviço da população. A Cooperativa teve um papel importante na luta contra a fome mas igualmente no campo cultural e da saúde tendo realizado um dos primeiros rastreios de tuberculose, com aparelhos que o povo adquiriu.
Em 2 de Agosto de 1922 nasce o Zambujalense Futebol Clube e, em 1931, é formado, no seio da Banda Musical um Corpo de Bombeiros Voluntários, passando a S.F.R. Zambujalense a designar-se Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Zambujal. Tudo partiu de um grupo de cidadãos do Zambujal que deitaram mãos à obra. José Machado Russo (6 de Maio de 1885 a 1 de Junho de 1941), comerciante, músico da banda, foi encarregue dos estatutos que foram subscritos por uma Comissão Organizadora e aprovados numa Assembleia a 29 de Julho de 1931. Em 1935 a Associação inaugura a primeira sede em edifício próprio.
Ainda hoje permanece um forte movimento associativo com novas associações como a Comissão de Reformados ou o Grupo 5 de Outubro.
Ao longo dos anos a população do Zambujal lutou por melhores condições de vida. São imensos os abaixo assinados a solicitar água, caminhos, escolas, transportes (José Constantino escreve no Ecos de Loures, de 1 de Maio de 1951, que em 1928 nasceu no Zambujal uma carreira de que era proprietário João Duarte da Silva, "o qual para ampliar a sua exploração, a fez chegar a Torres Vedras ou proximidades (...)", iluminação (a luz eléctrica só chega ao Zambujal em 1936).
Em 1945 foi criada a Secção da Abelheira do Sindicato Nacional dos Cartonageiros e Ofícios Correlativos do Distrito de Lisboa com existência legal até 1948. (Processo da Torre do Tombo). Uma estrutura que surge na sequência da fascização dos sindicatos pela ditadura de 1926.Em 1948 o Coreto, um outro ex-libris do largo do Zambujal, foi inaugurado. Foi construído e oferecido pelo povo do Zambujal à sua banda de música por ocasião do 85º aniversário.
Em Janeiro de 1973 encerra a Fábrica de Papel da Abelheira afectando duramente o Zambujal. Tem inicio uma prolongada luta contra os despedimentos. Os trabalhadores conseguem as indeminizações ainda antes do 25 de Abril de 1974. Exemplo único.
Ainda em 1973 tem inicio os trabalhos da nova ponte do Zambujal que será inaugurada já depois do 25 de Abril de 1974.No período revolucionário as Associações dinamizam imensas actividades, cria-se uma Associação de Moradores e muitos problemas relacionados com os acessos, equipamentos, estradas, legalização de bairros são resolvidos.
O Zambujal vive momentos de indefinição. Para além do núcleo inicial, com características muito próprias, mesmo em termos arquitectónicos, onde o Largo domina o espaço, tem agregado o bairro CAR com populações oriundas de outras comunidades, provocando uma simbiose que ainda está longe de ser feita. Conhecer a história do Zambujal, estudá-la, ajudará por certo a vincar alguns dos valores mais positivos da comunidade e a integrar novos valores, numa regeneração do tecido geográfico, cultural, social onde o novo e o antigo se entrelacem.

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